Melina é autora do livro “Reforma Tributária no Brasil – Ideias, Interesses e Instituições”, em que conclui que a tributação no Brasil ainda não entrou em um período de normalidade. Ao contrário. Está em crise permanente, diz, ao menos desde 1988, quando promulgada a Constituição Federal, que estabelece os tributos que União, Estados e municípios podem exigir.
“Uma lição do passado é que é preciso ter muito forte a presença do Executivo, na figura do Presidente da República, em prol da aprovação da reforma. Ele precisa colocar seu capital político para aprovação”, afirma a pesquisadora, que é diretora de cursos da York University e coordenadora executiva do projeto IVA do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getulio Vargas (NEF/FGV).
Ela lembra que há historicamente no Brasil um conflito de interesses entre os entes da federação – União, Estados e municípios – para manter ou aumentar o poder de tributar e as receitas com recolhimento de impostos. Afirma que o sistema de arrecadação do ICMS está no centro do conflito e que o modelo do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) – previsto na tentativa de reforma tributária de 2023 com as PECs 45 e 110 e adotado em mais de 170 países - tenta resolver.
“Pela primeira vez na história foi atingido no ano passado consenso entre os Estados para a tributação do imposto no destino [das mercadorias e serviços], inclusive por Estados mais desenvolvidos, como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro”, destaca. Um ponto de atenção, no entanto, é que os governadores mudaram em nove Estado, inclusive em São Paulo com Tarcísio de Freitas (Republicanos), aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Diante dos conflitos de interesse identificados no passado, a pesquisadora aponta ainda ser necessário desatar nós. O principal deles é mostrar especialmente aos grandes municípios que não terão perda de arrecadação.
Constituinte
Proposta
Ainda no processo da Constituinte, que resultou na Constituição de 1988, houve debate sobre uma mudança no sistema tributário. Segundo Melina expõe no livro Reforma Tributária no Brasil – Ideias, Interesses e Instituições, havia consenso entre atores sobre a necessidade de uma reforma tributária e o reconhecimento de uma crise no modelo implementado em meados dos anos 1960 – com o então ICM e o recolhimento do imposto na origem das mercadorias.
O projeto mais discutido, à época, foi o do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apresentado em fevereiro de 1987. Previa, entre outros pontos, a criação de um IVA reunindo o ICMS dos Estados e o ISS dos municípios. O IVA recairia sobre bens e serviços, além de combustíveis, minérios, energia elétrica, telecomunicações e transportes. O recolhimento seria no destino do consumo de mercadorias e serviços.
Problema
O impasse, segundo a pesquisadora disse ao Valor, ficou por conta da rejeição dos municípios que temiam perder arrecadação. À época, lembra Melina, poucos tinham estrutura para arrecadar o imposto, além da base de tributação com serviços ser pequena – não havia serviços da economia digital como hoje, por exemplo.
Além disso, diz, os Estados ficaram receosos com a mudança da tributação para o destino do consumo, inclusive aqueles potenciais ganhadores, como os Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Esses entes preferiram aprovar aumentos dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios (FPM), além das transferências de receitas da União.
“Já que a adoção do IVA teria mudado muito o sistema em vigor e os resultados seriam dificilmente previsíveis, os atores preferiram promover ajustes pontuais”, conclui Melina, em seu livro.
Governo FHC
Proposta
O modelo do IVA voltou à tona no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A PEC 175 foi proposta pelo Executivo ainda em 1995. Foi em um contexto de disputas internas dentro do próprio governo - entre o então Ministro do Planejamento, José Serra, que entendia ser possível uma mudança mais restrita nas regras, e então Ministro da Fazenda, Pedro Malan, e o secretário da Receita Everaldo Maciel, que defendiam uma reforma ampla.
A PEC 175 retomou pontos da proposta analisada na Constituinte. A diferença é que a União foi incluída. Previu a criação do IVA que extinguiria o IPI e o ICMS e seria compartilhado entre os Estados e a União.
Também estipulou, durante o processo legislativo, o IVV (imposto sobre vendas a varejo) para extinguir o ISS dos municípios. Também previa o deslocamento da tributação da origem do produto para o destino do consumo, com implementação gradual.
Alguns dos objetivos da reforma, segundo Melina, eram reduzir o custo-Brasil e aumentar a competitividade da economia brasileira no mercado internacional para reduzir o déficit comercial da época.
Problema
Um dos nós que, segundo relatos, impediram a aprovação da reforma foi a ausência de FHC, presidente da República, no processo de negociação no Congresso - justificada por razões políticas para evitar desgaste entre parlamentares, governadores e prefeitos.
A PEC chegou a ser aprovada em comissão especial do Congresso no final de 1999, quando o próprio governo decidiu retirar o interesse de aprovação da proposta. A justificativa foi de receio sobre perda de arrecadação em um contexto de crise internacional, com a moratória da Rússia em 1998 e a crise financeira asiática em 1997.
Governo Lula
Proposta
Uma reforma mais ampla da tributação sobre o consumo foi proposta no segundo mandato de Lula. Foi com a PEC 233, de 2008, apresentada pelo Executivo e capitaneada pelo então Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy.
Appy hoje é Secretário da Reforma Tributária da mesma pasta e um dos idealizadores da PEC 45, de 2019, que propõe um Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS) para substituir o IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS.
A PEC 233 previa um IVA federal para substituir cinco tributos, unificava a legislação do ICMS estabelecendo a cobrança no destino, e criava um fundo nacional de desenvolvimento regional. O ISS, pelo projeto, não seria alterado.
Problema
Estados produtores mais ricos, como São Paulo e Minas Gerais, atuaram fortemente contra a reforma e exerceram poder de veto. À época, São Paulo e Minas eram governadores por José Serra e Aécio Neves, ambos do PSDB, partido de oposição ao PT.
Os tucanos alegavam perda de receita, apontando especialmente os efeitos da crise financeira de 2008. Os dois Estados perderiam, disseram na ocasião, R$ 23 bilhões ao ano com a reforma.
Some-se a isso o fato de Lula, segundo o estudo da pesquisadora Melina Rocha, não ter colocado todo o seu capital político para a aprovação da proposta. Em janeiro de 2008, o presidente chegou a afirmar que a reforma tributária não seria prioridade do Executivo.
Chamou ainda o setor empresarial a pressionar o Congresso para a aprovação da proposta. “Se vocês simplesmente acharem que [fazer a reforma] é papel do ministro [Guido] Mantega [ da Fazenda] e sua equipe, esse projeto é uma criança natimorta”, disse, no início de 2008.
Fonte: Jornal Valor Econômico - 23.03.2023 - Bárbara Pompo - Brasília
Vista aérea da Esplanada dos Ministérios em Brasília-DF, localizada no Eixo Monumental, via que corta o Plano Piloto no sentido leste-oeste - Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil/ MArcello Casal Jr/Agência Bras
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